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"Seja parte da mudança que deseja ver no mundo" (Mahatma Gandhi).

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Remédios Psiquiátricos (benzodiazepínicos): efeitos colaterais de uma colateralidade discursiva.

É Foucault (1970) que, em “A Ordem do discurso de 1970”, concebe a Psiquiatria enquanto um discurso de poder. O autor postula que a psiquiatria e os diagnósticos são uma categorização de uma desordem (loucura), até então impenetrável por uma ciência – definida como um arranjo sem furos de um saber operante e suficiente--, capaz de operar sobre os “males” sociais que acometem aqueles tomados pela loucura. A Psiquiatria nasce, segundo Foucault (1997), para equivaler e sustentar os ideais da Revolução Francesa, dando margem ao autor para considerá-la uma invenção, perspectiva que pode ser tomada como absurda para a “ortodoxia discursiva” presente nos enunciados contemporâneos da medicina. Para Foucault (1970), a Psiquiatria é um discurso que “inventa” um objeto para intervir, ou seja, em decorrência de condições discursivas sociais e de época, loucura e Psiquiatria passam a ter uma relação necessária em deferimento de uma questão de poder.
Contudo, os efeitos da categorização geraram manuais performativos como, os conhecidos nos dias atuais, CID-10 e DSM-IV. Para tanto, viera a indústria farmacêutica e seus efeitos sociais, terapêuticas e remédios, enunciados concomitantemente, a seu, e enquanto, poder.
Segundo informações do último Congresso de Psiquiatria realizado na capital da República Federativa do Brasil, a discutir a CID-11, 100% das pessoas poderão ser encaixadas em um ou mais diagnósticos psiquiátricos na próxima Classificação Internacional de Doenças, ou seja, 100% das pessoas são “candidatas” a serem medicadas.
Não obstante, nada pode se notar como genuíno na referida perspectiva, ao passo que, Foucault (1970) já previa tais efeitos, enquanto efeitos de um discurso de poder.
Não adentraremos mais no enunciado, devido a necessidade de discutir sobre questões relativas a medicamentos Psiquiátricos usados na contemporaneidade, entretanto esperamos que tenhamos situado a partir de que lugar iremos discorrer nossa breve análise.
Se a loucura passa a ser doença, a normalidade mental também passa a ser um balizador para tal e a indústria farmacêutica atual intervém a partir de tais parâmetros, portanto, vendem-se medicamentos para aliviar sofrimento e/ou normatizar, porém nem sempre a demanda é clínica.
Dando um grande passo adiante, trataremos sobre os medicamentos benzodiazepínicos, comumente utilizados e prescritos em nosso século, sobre seus efeitos colaterais e seus riscos, sejam clínicos ou sociais.
Segundo o departamento de Psicobiologia da UNIFESP/EMP (2009), a respeito dos benzodiazepínicos, obtivemos que “incluem-se nesse grupo agentes, que em certos casos, substituíram os barbitúricos, ou que apesar de terem uso restrito ainda são utilizados na medicina atual. Esses compostos foram introduzidos devido à necessidade de sedativos e hipnóticos não-barbitúricos. No entanto, tornaram-se drogas de significante uso abusivo. As drogas que podem ser assim classificadas são: benzodiazepínicos, paraldeídos e brometos”. Por conseguinte, extraímos informações, ainda providas da referida fonte, que consideram que os medicamentos benzodiazepínicos promovem a ligação de neurotransmissores inibidores, como o a-aminobutírico (GABA), à receptores na membrana dos neurônios, o que provoca “um aumento de correntes iônicas através dos canais de cloreto, inibindo a atividade neuronal” (UNIFESP/EMP, 2009). Muitos desses medicamentos são usados e prescritos comumente no Brasil, como, por exemplo, o Diazepam, Clonazepam e Lorazepam. No entanto, caso esses medicamentos sejam administrados em doses elevadas, efeitos como: sono, inconsciência, anestesia cirúrgica, coma e a depressão fatal da regulação respiratória e cardio-vascular, são observados. Por fim, caso usados em doses muito elevadas esses medicamentos podem causar o coma, depressão respiratória fatal e/ou o bloqueio da transmissão neuromuscular. Alguns efeitos indesejados são comumente esperados e tolerados pelos usuários, tais como: “graus variados de tonteira, lassitude, tempo de reação aumentado, falta de coordenação motora, comprometimento das funções mental e motora, confusão, amnésia anterógrada, alterações nos padrões de sono, fraqueza, cefaléia, turvação visual, vertigem, náuseas e vômitos, desconforto epigástrico e diarréia, dores articulares, torácica e incontinência urinária”.
Não obstante tais colateralidades, muitos pacientes fazem uso abusivo desses medicamentos e acabam a ficar dependentes. Dependência esta que tem seus efeitos regulados pela magnitude das dosagens mensuradas aos pacientes que, acabam fazendo um usufruto irregular da medicação, contrariando a devida prescrição médica.
A questão que se faz, sem ignorar a intoxicação fisiológica desses pacientes, é que tipo de discurso sustêm o uso indiscriminado de tais medicamentos, ao passo que eles se tornaram cotidianos e a responsabilidade pelo excesso ainda não encontra um devido lugar de endereçamento. Usam-se tais drogas, muitas vezes, pelo alívio ou prazer que essas permitem, não sendo resguardados os fins terapêuticos exclusivos. É provável que um discurso hedonista e/ou capitalista seja provedor da suficiência perversa dessa prática, entretanto, para sustentarmos tal premissa, precisaríamos de uma análise de discurso mais aprofundada.
Lacan (1969/1970) postula que no discurso capitalista o sujeito tem uma relação direta com o objeto, ou seja, que não há mediante ao gozo uma subjetivação. Logo, poder-se-ia inferir que um medicamento com fins de “excesso” seria um gozo não mediado por uma responsabilidade subjetiva do sujeito, intermediada pela função simbólica. A prescrição em excesso permite uma alienação e um gozo desenfreado por meio da “colagem” que o sujeito faz com o objeto de “alívio” e excesso/gozo que passa a representar o medicamento.
Portanto, a transferência com o medicamento poder-se-ia tornar-se sintomática e tal fato é reforçado pela estética discursiva que permeia as prescrições desenfreadas em deferimento do poder que a indústria farmacêutica exerce sobre a medicina psiquiátrica.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Um breve comentário sobre o seriado Lost.

Sempre que pergunto sobre cinema a alguns intelectuais muitos deles hesitam em reconhecer a magnitude do cinema americano. Penso que esta posição é muito devido ao fato de uma impregnação, de uma tendência mundial a resistir à cultura americana, que se tornou ainda mais repudiável nas últimas décadas, talvez ou também em conseqüência da expressão ideológica que passou a criticar a política externa dos Ianques. Entretanto, até mesmo os fascinados pelo cinema Europeu ou Canadense devem se curvar a Ilha, pois Lost não é somente uma novelinha capaz de prender expectadores por conter enigmas curiosos em seu roteiro, romances comoventes ou atores esteticamente bem vistos, como, por exemplo, o brasileiro Rodrigo Santoro, que faz uma personagem de pouca importância na série. Lost é um bem mais do que isto e tenho certeza de que as mentes que estão por detrás das câmeras sabem muito bem o porquê do sucesso da série.
Já imaginou um lugar no qual você não pudesse mais fugir de seus medos, fantasmas inconscientes, traumas e fosse o tempo todo convocado a se responsabilizar por seus tormentos, por sua repetição? Bem, é exatamente isso que aquela ilha é capaz de fazer com as personagens envolvidas na trama. Não há trégua, pois, em Lost, negar a responsabilidade do caos interior é o último desfrute que tem aquelas personagens.
Tramas edípicas são remontadas. Fantasmas paternos, questões significantes, traumas inconscientes, tudo isso acomete às personagens de Lost. E o melhor para quem assiste? Eles não têm para onde fugir. Já nós? Nós temos a chance, como muito bem ressaltam os diretores da série, de nos identificar com personagens que com o passar dos episódios já não podem mais serem facilmente julgados.
Paranóia, sobrevivência instintual, transcendência metafísica, mistérios, tecnologia, física quântica, romances, fé, intuição, razão, ação, suspense, drama, alegrias, paz e, principalmente, surpresas... Sim, são estes muitos dos principais elementos que compõem o referido trabalho cinematográfico, se é que posso chamar assim.
Um lugar onde não há Totem (seria a própria ilha?) e nem mesmo um único discurso dominante. Um lugar onde o demasiado humano se confronta com questões interiores recompostas no real, representadas pelo sobrenatural. Jogos psicológicos, personagens coerentes e fortes. Ora, o que será mesmo que eles querem nos dizer?
Recomendo Lost! Não somente para aqueles que gostam de analisar, mas também para quem se dá o desfrute de projetar emoções, pois para nós, que somos reais e estamos realmente “perdidos”, ainda há maneiras de fugir...

sexta-feira, 24 de abril de 2009

A natureza da personagem Coringa: herói, vilão ou parte de nós?

Senhor burguês:
_ Não temos medo de valentões como você!
Coringa:
_ Você me faz lembrar meu pai e eu odeio meu pai!
Sugiro estudarem o mito de Édipo, por Sófocles e Freud.
(...)
Desta vez eu fiquei realmente surpreso, pois parecia haver um psicanalista muito competente nos bastidores do filme “Batman – The Dark Night”, produzido pela gigante Warner, visto que, a personagem Coringa, interpretada brilhantemente pelo falecido ator Heath Ledger, não deixou a desejar em nenhum sentido, sobretudo no que diz respeito à coerência estrutural a se esperar na interpretação de um perverso clássico. Cenas complexas me chamaram atenção e diálogos cheios de tudo que um perverso ou um neurótico com traços traumáticos recalcados gostariam de viver. Coringa é tudo de nós que não pode sair, toda nossa agressividade, raiva, ódio, desespero, Coringa é a morte, nosso prazer total. Freud nos assevera em “Mal Estar na Civilização” que, se não fosse a cultura, não seríamos homens, seríamos pura voracidade, agressão, sexo, dor e morte, ou seja, é a moralidade cultural que nos torna mais amigáveis. Outrora, Coringa não tem moral, ele é objeto de outro Outro, o Outro Maléfico e o faz muito bem. Why so serious? Porque tão sério? Talvez porque nossa verdadeira satisfação pulsional esteja amalgamada e a salvo de realizar-se devido a nossa capacidade de procriar a vida, mas se isso não fosse possível riríamos de toda dor investida em outros e não seríamos tão sérios, acharíamos graça de todo o horror. Há quem ache graça não é mesmo? É só lembrarem de alguns eventos Árabes após a queda das Torres Gêmeas nos EUA, mas talvez não seja necessário ir tão longe. Epicuro, filósofo da ética, nos aconselha domar nossos instintos para que possamos alcançar a paz (ver conceito de prazer para Epicuro) e evitar a dor, mas porque isso é necessário? Talvez porque se não muitos Coringas, reprimidos e a solta por ai, repetindo discursos providos de toda a hipocrisia moral, poderiam viver suas fantasias sádicas, porém não nos cinemas e nem tampouco com tamanho brilhantismo como na interpretação de Ledger. Freud (1920) nos aponta que tudo que não nos mata se resguarda apenas à reprodução, todavia já Coringa acredita: “Simplesmente o que não nos mata apenas nos torna mais estranhos”. Esta fala me chamou muito atenção, pois ele parecia saber que tudo nos mata. Como lembra Schopenhauer: “a vida tem como a morte sua tendência e finalidade natural”. Já Coringa acredita apenas que o que foge a isso nos torna estranhos, ou seja, será que quando nos inclinamos unicamente a vida sentimos determinado estranhamento? Bem, novamente por Freud, até mesmo ao reproduzirmos precisamos de um pouco de agressividade mortífera, visto que, para tomarmos o outro como objeto de nossa satisfação, a fim de zelarmos por nossa espécie, a fusão das pulsões de vida e morte deve ocorrer. Algumas vezes pude me deparar com depoimentos de amigos que diziam não conseguir amar, admirar e realizarem suas fantasias sexuais com suas ideais e puritanas namoradas, ao passo que, tais fantasias perversas eram direcionadas apenas para suas picantes, veladas e “safadas” amantes do sexo.
Por conseguinte, inúmeros seriam os exemplos que poderia eu citar nestas breves linhas a respeito de situações completamente perversas vividas por neuróticos. Quem não se lembra do depoimento do piloto do Enola Gay que executou as bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki? “Faria de novo e não me arrependo, pois estava apenas cumprindo ordens militares”. Será que no momento em que ele executou tal ordem militar alguma satisfação pulsional aconteceu? Bem, não sei, mas pasmem, pois provavelmente sim. O referido piloto parecia “satisfeito” em cumprir ordem militares.
No entanto, após ter vivido o imenso prazer proporcionado pelas fantasias cinematográficas viabilizadas pela interpretação da personagem Coringa, mais precisamente no dia 22 de janeiro de 2009, Heath Ledger foi encontrado morto devido a uma suposta overdose acidental de remédios. Ele sofria de depressão por conta de sua separação com sua ex-mulher Michelle Williams e com ela Ledger deixou uma filha de dois anos. Contudo, será mesmo que fora acidental ou somente a morte poderia trazer um prazer semelhante ao inconsciente de Ledger, após toda a satisfação que vivera como Coringa? Jack Nicholson fora entrevistado pela imprensa na intenção de dar seu parecer sobre o lamentável ocorrido e curiosamente, o experiente ator, ironicamente, apenas disse: “É; eu avisei”!
Roubar bancos e queimar uma montanha de dinheiro aos olhos da mídia fora mesmo algo de louco não é? Não, fora apenas a libertação de um senhor- o louvado “Senhor Dinheiro do programa fantástico da rede Globo de televisão”- que escraviza a maioria de todos nós, meros neuróticos, sempre alvos e destinatários das cenas com conteúdos perversos como as que Coringa usava para chamar a atenção da mídia enquanto apreciava suas “litlle emotions” com sua faca... Sabiam que um dos aviões da Segunda Guerra mundial tinha apenas a missão de filmar e fotografar as explosões atômicas? Este se chamava “Necessary Evil” ( Mal necessário). Necessário para quem?
Termino esta capenga discussão apenas perguntando: quem de nós não tem um coringa adormecido em seu âmago louco para ao menos ter a chance de fantasiar?
Atenciosamente, Allan G.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Pesquisa em escrita científica dos pequenos pesquisadores: impasses e possibilidades*.

Debruço-me a registrar esse pequeno escrito, contudo no receio de me instalar em determinada redundância, pois o mesmo tem o objetivo de abordar a própria escrita como temática nodal. Não obstante, tentarei transpor de forma análoga sua importância histórica para com a referida pesquisa de vocês, a saber, estamos a tratar sobre os trabalhos para obtenção de requisito parcial à conclusão de curso, como as conhecidas e variadas jaezes de Monografias. É de nosso conhecimento antropológico que o que marca o paradigma divisor entre as linhas pré-história e história são, justamente, os registros de determinadas simbologias, que mais tarde se tornariam a escrita, mais precisamente, digo, aos arredores, do ano de 3.200 a.C. Os Egípcios e Mediterrâneos, como o conhecido Iraque, foram alguns dos precursores desta importante criação humana.
Outrora, sem mais rodeios, o que venho trazer aqui hoje é apenas uma reflexão acerca de uma medida contemporânea, intercedida também por um processo de escrita, dotada pela capacidade de transmitir parte do conhecimento que conjectura a formação acadêmica, tanto minha como de vocês.
A primeira crítica vem convidá-los para uma discussão capaz de emergir reflexões e possíveis posições políticas para com o tipo de sistema que, aos meus olhos, pode ser considerado como precário e falido de um compromisso ético institucional para com as desejáveis legitimações públicas que deveriam conjecturar o tipo de ciência humana produzida por nós. Por conseguinte, creio ser válido este pequeno escrito a preliminar as posteriores recomendações sobre nossos preciosos e caros trabalhos teórico-científicos de Monografia. Para tanto, meu argumento vem valer-se pelo requerido fato de que a Universidade deveria estender o processo e trâmite do trabalho em voga, a fim de resguardar possibilidades de transmissão que deveriam ser banhadas por um sólido compromisso ético-científico, capaz de perpassar o sistema institucional, a regular e resguardar o acesso irrestrito, porém anteriormente tramitado em uma avaliação séria, comprometida e rigorosa, às trabalhosas, sérias e verdadeiras monografias de conclusão de curso, salvo a hipocrisia dos desonestos alunos que são capazes de pagar para o êxito de tal, menosprezando a inteligência dos profissionais da instituição e a apodrecerem suas próprias trajetórias já consideradas, por muitos, como integrada a uma futura posição profissional.
Outrora, meu dever aqui não se resume a uma crítica fálica e estéril para com os furos fundamentais de nossa caríssima instituição em seu macro-poder, como lembra Foucault em 1979, para com as restritas, mas não impotentes possibilidades de nosso trabalho de escrita. Venho aqui falar do poder de nosso trabalho, de nossa responsabilidade política, científica e social para com a consolidação e propagação de nossa produção científica nas áreas humanas.
Qual de vocês nunca se deparou com um jornaleco vendido por apenas R$0,25, com o aparente compromisso de fornecer informações politizadas e significantes, facilmente encontrado em qualquer padaria, apresentando conteúdos midiáticos pouco relevantes para nosso contexto educacional crítico no Brasil? Qual de nós nunca deteve os olhos nas fotos pornográficas de suas primeiras páginas e nas fofocas a exaltar a vida privada de algumas pessoas públicas? Entretanto, quem dos a compartilhar este limitado escrito realmente desejou que o conteúdo de seus trabalhos tivesse uma viabilização social semelhante, capaz de contribuir para com políticas reflexivas em nossa sociedade? Talvez esteja longe o dia em que monografias ou artigos científicos estejam disponibilizados em bancas de jornal populares, porém a pergunta é: qual a nossa responsabilidade e possibilidade para com nosso trabalho produzido agora, sendo este tão banhado por investimentos de afeto, intelecto, tempo e dinheiro? Seria nossa produção científica apenas uma forma capital de garantir a sobrevivência e o mercado de nossas instituições de ensino?
Ora, quantos de vocês já se deparam com monografias de conclusão de curso acessíveis nas prateleiras das bibliotecas que freqüentam?
Meus queridos companheiros de faculdade, termino este pequeno escrito apenas fazendo alguns pedidos importantes, ao menos a meu ver:
1 – Estudem e façam com dedicação, esforço intelectual e afeto o trabalho de escrita científica de vocês.

2- Não deixem de fazerem as correções propostas pelo avaliador, mesmo que suas notam forem totais.

3- Dêem importância a produção de vocês e não as deixem em gavetas empoeiradas.

4 – Procurem e promovam possibilidades, mesmo que ainda civis, de viabilizarem o acesso a ciência de vocês.

5- Não se preocupem apenas com a forma de suas monografias, mas também para com a pragmática e relevância de seus conteúdos.

6 – Entendam de epistemologia e metodologia científica antes de escreverem, pois isso assegura o estatuto de ciência desejado em suas produções acadêmicas.

7 – Promovam políticas responsáveis para que nossa realidade da propagação do conhecimento científico possa sofrer modificações positivas, sendo estas capazes de melhor viabilizarem o acesso e a popularização de nossa espécie de ciência.

8 – Tentem pensar que meu intento é também uma forma de convidá-los a resgatar o valor do trabalho de vocês, uma forma de acolhê-los e lembrá-los que vocês e o que fazem são muito, muito mais importantes que discursos tirânicos e alienantes, que não são somente estes que fazem o mundo que vivemos, mas também o que nós podemos fazer.

Finalizo e agradeço pela atenção, pois este texto foi redigido com todo meu respeito para com a capacidade intelectual de todos, todavia desejo que esta não permaneça apenas ensimesmada em instâncias egóicas, mas também inclinada a promover saúde, educação, crítica e melhoras substanciais em nossa sociedade. Outrora, meu bom sentimento se estende também dentre outras nobrezas e potências que não podem permanecer adormecidas no âmago da existência dos estudantes de nosso contexto, sendo que pela classe e posição daqueles que se calcam na ética e responsabilidade científica tenho ainda mais orgulho. Grande abraço, Allan Gonçalves.

* Texto preparado para a IX JORNADA DE PRÁTICAS EM PSICOLOGIA, realizada em abril de 2009, mais precisamente para a mesa organizada por Viviane Baum, nos domínios da PUC MINAS BETIM, intitulada: Pesquisa em Monografia.

domingo, 19 de abril de 2009

Crise econômica mundial: da onipotência Americana ao opressor efeito colateral do capital.

A respeito dos nossos “parceiros” continentais, a saber, Os Estados Unidos da América, já é de nosso conhecimento, em detrimento da representação social que nos discursa, a dimensão do “orgulho” norte-americano. Orgulho que muitas vezes é refletido em sua política externa e autoriza, mesmo que de forma implícita, toda a opressão onipotente desta recorrente posição que configuram as jaezes das intervenções exteriores americanas. Podendo ser essas passíveis de serem conferidas por aqueles capazes de debruçarem-se em profunda análise acerca das políticas internacionais feitas pelos Ianques – tomem a Guerra do Iraque e a redenção de Saddam Russein como exemplo. Outrora, a retomarmos o cenário econômico ainda não eclodido antes do ano de 2008, o que pudera vislumbrar tal orgulho americano em sua política econômica civil? Ironicamente, o ex-país considerado, por muitos, inabalável em sua economia credora, gastou todos seus créditos ensimesmado em sua ambição, sendo esta dissipada pelo discurso insaciável do sistema capitalista de consumo, a transpassar a postura dos “planejamentos” financeiros dos americanos. O “American way of life” sempre ostentou, como, por exemplo, nas pomposas produções de seu cinema, luxuosas residências nas quais muitos dos americanos dispensaram todo seu investimento capital, viabilizado por uma abertura dos créditos providos por seus bancos. Bancos que, não diminuídos pela incansável ganância do Tio Sam, esperavam uma inadimplência suplantada pelos altos lucros providos de exorbitantes índices de ganho capital, “astutamente” revertidos nos juros daqueles que continuariam a pagar.
Entretanto, vamos pensar juntos: se você é um americano, derivado das camadas mais baixas - medidas pelo PIB nacional e reacionário a escalar uma possível recessão- encontra possibilidades pouco burocráticas de sair do aluguel e financiar seu próprio imóvel em prestações a perder de vista, acolhido por um “sorriso aberto” dos gerentes dos bancos, o que você faria? Bem, você pagaria as prestações feliz da vida não é mesmo? Afinal de contas, estaria tendo sua tão sonhada sofisticada “casinha branca de cercas baixas” e este sonho estaria assegurado pelos empréstimos de capital vindo de todo o mundo às poderosas empresas de capital aberto resguardadas pelo governo, como as Fannie Mae e da Freddie Mac, responsáveis por repassar o crédito as mais “bombantes” empresas do setor imobiliário americano.
Outrora, vamos pensar juntos, raciocinem comigo, como um dinheiro pode se tornar virtual e ilusório? Se você facilita as compras por meio de um crédito de “pernas abertas” o que acontece? Óbvio, a demanda de compra cresce e com essa os valores do produto também não é mesmo? Ora, mas o que o inteligente sistema bancário americano fez para lucrar com todo esse “boom” econômico? “Assegurou” os valores, mesmo sabendo que muitas das "pobrérrimas" famílias americanas não tinham condição de pagar nem a parcela da prestação, e começou a vender internacionalmente as ações imobiliárias por preços absurdos e hipotéticos, para não dizer, patéticos, provocando então uma movimentação virtual de toda economia. Outrora, a inadimplência começou a crescer como uma bola de neve e os créditos começaram a ser restringidos, logo, a demanda diminuiu, e em detrimento disso os preços dos imóveis também. Agora pensem: você continuaria pagando uma casa por prestações equivalentes a outro imóvel dez vezes mais caro que o seu atual imóvel super-desvalorizado? Parece ironia, mas os subprimes são definidos como créditos bancários de alto risco, pois seus credores são considerados instáveis e pré-dispostos a inadimplir, embora tal estatuto dos subprimes fosse legitimado e conhecido, foram esses os fornecedores de crédito e articuladores da baderna econômica que eclodiu em múltiplos endividamentos inflacionários da economia dos supremos cidadãos americanos. Ora, mas que desgraça não é mesmo? E não pára por ai, pois a perda ocasionada pelo sistema hipotecário americano acarretou um déficit aproximado de 1,4 trilhões de dólares, correspondente a cerca de 90% do PIB estadunidense.
Muito dinheiro não é mesmo? Pois é, e foram também muitas famílias que não se importavam em perder suas casinhas e reforçar o enfraquecimento da economia americana.
Neste sentido, embora a farsa da força credora dos EUA começa a decair, o mundo todo se mobilizou, de uma maneira nunca vista antes, até mesmo para com a miséria africana, na intenção de injetar dinheiro para salvar a agora vulnerável, debilitada e vergonhosa economia americana, a fim de evitar um efeito dominó. Não demorou muito e o G-20 logo tratou de injetar seu 1 trilhãozinho de dólares também com o intuito de minimizar o colapso econômico mundial. Amada Neo-Babilônia! O ódio do mundo se curvaria então ao terror causado pela eminência de morte da tão temida tirania econômica dos Estates. Aiaiai, será que Fidel ficou feliz?
Penso que morar dignamente em uma favela brasileira sem “fuder” – desculpem a expressão chulérrima- o mundo todo parece mais razoável.
Finalizo apenas perguntando: até quando a ganâcia discursiva, a vaidade, comumente dissipada pelas produções hollywoodianas, vai nos fazer pagar por uma negligência de trabalho e humildade, já prevista pela lógica da “mais valia” de Marx, para que os considerados países desenvolvidos desfrutem de seu caviar podre e inconsequente?
Vamos todos pagar nossos impostos direitinho e tentar salvar nossos amigos americanos, que agora colocaram um anjo negro no poder para salvar a terra branca cheia de plantações de abacaxis espinhosos e vingativos. Bem feito? Bem feito não! Pois eu sou um honesto e desvalorizado estudante esforçado demais para sofrer as consequências dos obesos e porcamente educados comedores de x burguer! Allan G., Psicólogo Psicanalista, ignorante em economia.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Por que a Guerra?

Carta de Einstein junto a Potsdam, 30 de julho de 1932

Prezado Professor Freud,

A proposta da Liga das Nações e de seu Instituto Internacional para a Cooperação Intelectual, em Paris, de que eu convidasse uma pessoa, de minha própria escolha, para um franco intercâmbio de pontos de vista sobre algum problema que eu poderia selecionar, oferece-me excelente oportunidade de conferenciar com o senhor a respeito de uma questão que, da maneira como as coisas estão, parece ser o mais urgente de todos os problemas que a civilização tem de enfrentar. Este é o problema: Existe alguma forma de livrar a humanidade da ameaça de guerra? É do conhecimento geral que, com o progresso da ciência de nossos dias, esse tema adquiriu significação de assunto de vida ou morte para a civilização, tal como a conhecemos; não obstante, apesar de todo o empenho demonstrado, todas as tentativas de solucioná-lo terminaram em lamentável fracasso.
Ademais, acredito que aqueles cuja atribuição é atacar o problema de forma profissional e prática, estão apenas adquirindo crescente consciência de sua impotência para abordá-lo, e agora possuem um vivo desejo de conhecer os pontos de vistas de homens que, absorvidos na busca da ciência, podem mirar os problemas do mundo na perspectiva que a distância permite. Quanto a mim, o objetivo habitual de meu pensamento não me permite uma compreensão interna das obscuras regiões da vontade e do sentimento humano. Assim, na indagação ora proposta, posso fazer pouco mais do que procurar esclarecer a questão em referência e, preparando o terreno das soluções mais óbvias, possibilitar que o senhor proporcione a elucidação do problema mediante o auxílio do seu profundo conhecimento da vida instintiva do homem. Existem determinados obstáculos psicológicos cuja existência um leigo em ciências mentais pode obscuramente entrever, cujas inter-relações e filigranas ele, contudo, é incompetente para compreender; estou convencido de que o senhor será capaz de sugerir métodos educacionais situados mais ou menos fora dos objetivos da política, os quais eliminarão esses obstáculos.Como pessoa isenta de preconceitos nacionalistas, pessoalmente vejo uma forma simples de abordar o aspecto superficial (isto é, administrativo) do problema: a instituição, por meio de acordo internacional, de um organismo legislativo e judiciário para arbitrar todo conflito que surja entre nações. Cada nação submeter-se-ia à obediência às ordens emanadas desse organismo legislativo, a recorrer às suas decisões em todos os litígios, a aceitar irrestritamente suas decisões e a pôr em prática todas as medidas que o tribunal considerasse necessárias para a execução de seus decretos. Já de início, todavia, defronto-me com uma dificuldade; um tribunal é uma instituição humana que, em relação ao poder de que dispõe, é inadequada para fazer cumprir seus veredictos, está muito sujeito a ver suas decisões anuladas por pressões extrajudiciais. Este é um fato com que temos de contar; a lei e o poder inevitavelmente andam de mãos dadas, e as decisões jurídicas se aproximam mais da justiça ideal exigida pela comunidade (em cujo nome e em cujos interesses esses veredictos são pronunciados), na medida em que a comunidade tem efetivamente o poder de impor o respeito ao seu ideal jurídico.
Atualmente, porém, estamos longe de possuir qualquer organização supranacional competente para emitir julgamentos de autoridade incontestável e garantir absoluto acatamento à execução de seus veredictos. Assim, sou levado ao meu primeiro princípio; a busca da segurança internacional envolve a renúncia incondicional, por todas as nações, em determinada medida, à sua liberdade de ação, ou seja, à sua soberania, e é absolutamente evidente que nenhum outro caminho pode conduzir a essa segurança.O insucesso, malgrado sua evidente sinceridade, de todos os esforços, durante a última década, no sentido de alcançar essa meta, não deixa lugar à dúvida de que estão em jogo fatores psicológicos de peso que paralisam tais esforços. Alguns desses fatores são mais fáceis de detectar. O intenso desejo de poder, que caracteriza a classe governante em cada nação, é hostil a qualquer limitação de sua soberania nacional. Essa fome de poder político está acostumada a medrar nas atividades, de um outro grupo, cujas aspirações são de caráter econômico, puramente mercenário. Refiro-me especialmente a esse grupo reduzido, porém decidido, existente em cada nação, composto de indivíduos que, indiferentes às condições e aos controles sociais, consideram a guerra, a fabricação e venda de armas simplesmente como uma oportunidade de expandir seus interesses pessoais e ampliar a sua autoridade pessoal.O reconhecimento desse fato, no entanto, é simplesmente o primeiro passo para uma avaliação da situação atual. Logo surge uma outra questão: como é possível a essa pequena súcia dobrar a vontade da maioria, que se resigna a perder e a sofrer com uma situação de guerra, a serviço da ambição de poucos? (Ao falar em maioria, não excluo os soldados, de todas as graduações, que escolheram a guerra como profissão, na crença de que estejam servindo à defesa dos mais altos interesses de sua raça e de que o ataque seja, muitas vezes, o melhor meio de defesa.) Parece que uma resposta óbvia a essa pergunta seria que a minoria, a classe dominante atual, possui as escolas, a imprensa e, geralmente, também a Igreja, sob seu poderio. Isto possibilita organizar e dominar as emoções das massas e torná-las instrumento da mesma minoria.Ainda assim, nem sequer essa resposta proporciona uma solução completa. Daí surge uma nova questão: como esses mecanismos conseguem tão bem despertar nos homens um entusiasmo extremado, a ponto de estes sacrificarem suas vidas? Pode haver apenas uma resposta. É porque o homem encerra dentro de si um desejo de ódio e destruição. Em tempos normais, essa paixão existe em estado latente, emerge apenas em circunstâncias anormais; é, contudo, relativamente fácil despertá-la e elevá-la à potência de psicose coletiva. Talvez aí esteja o ponto crucial de todo o complexo de fatores que estamos considerando, um enigma que só um especialista na ciência dos instintos humanos pode resolver.Com isso, chegamos à nossa última questão. É possível controlar a evolução da mente do homem, de modo a torná-lo à prova das psicoses do ódio e da destrutividade?Aqui não me estou referindo tão-somente às chamadas massas incultas. A experiência prova que é, antes, a chamada ‘Intelligentzia’ a mais inclinada a ceder a essas desastrosas sugestões coletivas, de vez que o intelectual não tem contato direto com o lado rude da vida, mas a encontra em sua forma sintética mais fácil — na página impressa.Para concluir: Até aqui somente falei das guerras entre nações, aquelas que se conhecem como conflitos internacionais. Estou, porém, bem consciente de que o instinto agressivo opera sob outras formas e em outras circunstâncias. (Penso nas guerras civis, por exemplo, devidas à intolerância religiosa, em tempos precedentes, hoje em dia, contudo, devidas a fatores sociais; ademais, também nas perseguições a minorias raciais.) Foi deliberada a minha insistência naquilo que é a mais típica, mais cruel e extravagante forma de conflito entre homem e homem, pois aqui temos a melhor ocasião de descobrir maneiras e meios de tornar impossíveis qualquer conflito armado.Sei que nos escritos do senhor podemos encontrar respostas, explícitas ou implícitas, a todos os aspectos desse problema urgente e absorvente. Mas seria da maior utilidade para nós todos que o senhor apresentasse o problema da paz mundial sob o enfoque das suas mais recentes descobertas, pois uma tal apresentação bem poderia demarcar o caminho para novos e frutíferos métodos de ação. Muito cordialmente, A. Einstein.

Carta de Freud, Viena, setembro de 1932.

Prezado Professor Einstein,
Quando soube que o senhor intencionava convidar-me para um intercâmbio de pontos de vista sobre um assunto que lhe interessava e que parecia merecer o interesse de outros além do senhor, aceitei prontamente. Esperava que o senhor escolhesse um problema situado nas fronteiras daquilo que é atualmente cognoscível, um problema em relação ao qual cada um de nós, físico e psicólogo, pudesse ter o seu ângulo de abordagem especial, e no qual pudéssemos nos encontrar, sobre o mesmo terreno, embora partindo de direções diferentes.O senhor apanhou-me de surpresa, no entanto, ao perguntar o que pode ser feito para proteger a humanidade da maldição da guerra. Inicialmente me assustei com o pensamento de minha — quase escrevi ‘nossa’ — incapacidade de lidar com o que parecia ser um problema prático, um assunto para estadistas. Depois, no entanto, percebi que o senhor havia proposto a questão, não na condição de cientista da natureza e físico, mas como filantropo: o senhor estava seguindo a sugestão da Liga das Nações, assim como Fridtjof Nansen, o explorador polar, assumiu a tarefa de auxiliar as vítimas famintas e sem teto da guerra mundial.

Além do mais, considerei que não me pediam para propor medidas práticas, mas sim apenas que eu delimitasse o problema da evitação da guerra tal como ele se configura aos olhos de um cientista da psicologia. Também nesse ponto, o senhor disse quase tudo o que há a dizer sobre o assunto. Embora o senhor se tenha antecipado a mim, ficarei satisfeito em seguir no seu rasto e me contentarei com confirmar tudo o que o senhor disse, ampliando-o com o melhor do meu conhecimento — ou das minhas conjecturas.O senhor começou com a relação entre o direito e o poder. Não se pode duvidar de que seja este o ponto de partida correto de nossa investigação. Mas, permita-me substituir a palavra ‘poder’ pela palavra mais nua e crua violência’? Atualmente, direito e violência se nos afiguram como antíteses. No entanto, é fácil mostrar que uma se desenvolveu da outra e, se nos reportarmos às origens primeiras e examinarmos como essas coisas se passaram, resolve-se o problema facilmente. Perdoe-me se, nessas considerações que se seguem, eu trilhar chão familiar e comumente aceito, como se isto fosse novidade; o fio de minhas argumentações o exige.É, pois, um princípio geral que os conflitos de interesses entre os homens são resolvidos pelo uso da violência. É isto o que se passa em todo o reino animal, do qual o homem não tem motivo por que se excluir. No caso do homem, sem dúvida ocorrem também conflitos de opinião que podem chegar a atingir a mais raras nuanças da abstração e que parecem exigir alguma outra técnica para sua solução. Esta é, contudo, uma complicação a mais. No início, numa pequena horda humana, era a superioridade da força muscular que decidia quem tinha a posse das coisas ou quem fazia prevalecer sua vontade. A força muscular logo foi suplementada e substituída pelo uso de instrumentos: o vencedor era aquele que tinha as melhores armas ou aquele que tinha a maior habilidade no seu manejo. A partir do momento em que as armas foram introduzidas, a superioridade intelectual já começou a substituir a força muscular bruta; mas o objetivo final da luta permanecia o mesmo — uma ou outra facção tinha de ser compelida a abandonar suas pretensões ou suas objeções, por causa do dano que lhe havia sido infligido e pelo desmantelamento de sua força.Conseguia-se esse objetivo de modo mais completo se a violência do vencedor eliminasse para sempre o adversário, ou seja, se o matasse. Isto tinha duas vantagens: o vencido não podia restabelecer sua oposição, e o seu destino dissuadiria outros de seguirem seu exemplo. Ademais disso, matar um inimigo satisfazia uma inclinação instintual, que mencionarei posteriormente. À intenção de matar opor-se-ia a reflexão de que o inimigo podia ser utilizado na realização de serviços úteis, se fosse deixado vivo e num estado de intimidação. Nesse caso, a violência do vencedor contentava-se com subjugar, em vez de matar, o vencido. Foi este o início da idéia de poupar a vida de um inimigo, mas a partir daí o vencedor teve de contar com a oculta sede de vingança do adversário vencido e sacrificou uma parte de sua própria segurança.Esta foi, por conseguinte, a situação inicial dos fatos: a dominação por parte de qualquer um que tivesse poder maior — a dominação pela violência bruta ou pela violência apoiada no intelecto. Como sabemos, esse regime foi modificado no transcurso da evolução. Havia um caminho que se estendia da violência ao direito ou à lei. Que caminho era este? Penso ter sido apenas um: o caminho que levava ao reconhecimento do fato de que à força superior de um único indivíduo, podia-se contrapor a união de diversos indivíduos fracos.‘L’union fait la force.’ A violência podia ser derrotada pela união, e o poder daqueles que se uniam representava, agora, a lei, em contraposição à violência do indivíduo só. Vemos, assim, que a lei é a força de uma comunidade. Ainda é violência, pronta a se voltar contra qualquer indivíduo que se lhe oponha; funciona pelos mesmos métodos e persegue os mesmos objetivos. A única diferença real reside no fato de que aquilo que prevalece não é mais a violência de um indivíduo, mas a violência da comunidade. A fim de que a transição da violência a esse novo direito ou justiça pudesse ser efetuada, contudo, uma condição psicológica teve de ser preenchida. A união da maioria devia ser estável e duradoura. Se apenas fosse posta em prática com o propósito de combater um indivíduo isolado e dominante, e fosse dissolvida depois da derrota deste, nada se teria realizado. A pessoa, a seguir, que se julgasse superior em força, haveria de mais uma vez tentar estabelecer o domínio através da violência, e o jogo se repetiria ad infinitum. A comunidade deve manter-se permanentemente, deve organizar-se, deve estabelecer regulamentos para antecipar-se ao risco de rebelião e deve instituir autoridades para fazer com que esses regulamentos — as leis — sejam respeitadas, e para superintender a execução dos atos legais de violência. O reconhecimento de uma entidade de interesses como estes levou ao surgimento de vínculos emocionais entre os membros de um grupo de pessoas unidas — sentimentos comuns, que são a verdadeira fonte de sua força.Acredito que, com isso, já tenhamos todos os elementos essenciais: a violência suplantada pela transferência do poder a uma unidade maior, que se mantém unida por laços emocionais entre os seus membros. O que resta dizer não é senão uma ampliação e uma repetição desse fato.A situação é simples enquanto a comunidade consiste em apenas poucos indivíduos igualmente fortes. As leis de uma tal associação irão determinar o grau em que, se a segurança da vida comunal deve ser garantida, cada indivíduo deve abrir mão de sua liberdade pessoal de utilizar a sua força para fins violentos. Um estado de equilíbrio dessa espécie, porém, só é concebível teoricamente. Na realidade, a situação complica-se pelo fato de que, desde os seus primórdios, a comunidade abrange elementos de força desigual — homens e mulheres, pais e filhos — e logo, como conseqüência da guerra e da conquista, também passa a incluir vencedores e vencidos, que se transformam em senhores e escravos. A justiça da comunidade então passa a exprimir graus desiguais de poder nela vigentes. As leis são feitas por e para os membros governantes e deixa pouco espaço para os direitos daqueles que se encontram em estado de sujeição. Dessa época em diante, existem na comunidade dois fatores em atividade que são fonte de inquietação relativamente a assuntos da lei, mas que tendem, ao mesmo tempo, a um maior crescimento da lei.Primeiramente, são feitas, por certos detentores do poder, tentativas, no sentido de se colocarem acima das proibições que se aplicam a todos — isto é, procuram escapar do domínio pela lei para o domínio pela violência. Em segundo lugar, os membros oprimidos do grupo fazem constantes esforços para obter mais poder e ver reconhecidas na lei algumas modificações efetuadas nesse sentido — isto é, fazem pressão para passar da justiça desigual para a justiça igual para todos. Essa segunda tendência torna-se especialmente importante se uma mudança real de poder ocorre dentro da comunidade, como pode ocorrer em conseqüência de diversos fatores históricos. Nesse caso, o direito pode gradualmente adaptar-se à nova distribuição do poder; ou, como sucede com maior freqüência, a classe dominante se recusa a admitir a mudança e a rebelião e a guerra civil se seguem, com uma suspensão temporária da lei e com novas tentativas de solução mediante a violência, terminando pelo estabelecimento de um novo sistema de leis. Ainda há uma terceira fonte da qual podem surgir modificações da lei, e que invariavelmente se exprime por meios pacíficos: consiste na transformação cultural dos membros da comunidade. Isto, porém, propriamente faz parte de uma outra correlação e deve ser considerado posteriormente. Ver em [[1]].Vemos, pois, que a solução violenta de conflitos de interesses não é evitada sequer dentro de uma comunidade. As necessidades cotidianas e os interesses comuns, inevitáveis ali onde pessoas vivem juntas num lugar, tendem, contudo, a proporcionar a essas lutas uma conclusão rápida, e, sob tais condições, existe uma crescente probabilidade de se encontrar uma solução pacífica. Outrossim, um rápido olhar pela história da raça humana revela uma série infindável de conflitos entre uma comunidade e outra, ou diversas outras, entre unidades maiores e menores — entre cidades, províncias, raças, nações, impérios —, que quase sempre se formaram pela força das armas.
Guerras dessa espécie terminam ou pelo saque ou pelo completo aniquilamento e conquista de uma das partes. É impossível estabelecer qualquer julgamento geral das guerras de conquista. Algumas, como as empreendidas pelos mongóis e pelos turcos, não trouxeram senão malefícios. Outras, pelo contrário, contribuíram para a transformação da violência em lei, ao estabelecerem unidades maiores, dentro das quais o uso da violência se tornou impossível e nas quais um novo sistema de leis solucionou os conflitos. Desse modo, as conquistas dos romanos deram aos países próximos ao Mediterrâneo a inestimável pax romana, e a ambição dos reis franceses de ampliar os seus domínios criou uma França pacificamente unida e florescente.Por paradoxal que possa parecer, deve-se admitir que a guerra poderia ser um meio nada inadequado de estabelecer o reino ansiosamente desejado de paz ‘perene’, pois está em condições de criar as grandes unidades dentro das quais um poderoso governo central torna impossíveis outras guerras. Contudo, ela falha quanto a esse propósito, pois os resultados da conquista são geralmente de curta duração: as unidades recentemente criadas esfacelam-se novamente, no mais das vezes devido a uma falta de coesão entre as partes que foram unidas pela violência. Ademais, até hoje as unificações criadas pela conquista, embora de extensão considerável, foram apenas parciais, e os conflitos entre elas ensejaram, mais do que nunca, soluções violentas. O resultado de todos esses esforços bélicos consistiu, assim, apenas em a raça humana haver trocado as numerosas e realmente infindáveis guerras menores por guerras em grande escala, que são raras, contudo muito mais destrutivas.Se nos voltamos para os nossos próprios tempos, chegamos a mesma conclusão a que o senhor chegou por um caminho mais curto. As guerras somente serão evitadas com certeza, se a humanidade se unir para estabelecer uma autoridade central a que será conferido o direito de arbitrar todos os conflitos de interesses. Nisto estão envolvidos claramente dois requisitos distintos: criar uma instância suprema e dotá-la do necessário poder. Uma sem a outra seria inútil. A Liga das Nações é destinada a ser uma instância dessa espécie, mas a segunda condição não foi preenchida: a Liga das Nações não possui poder próprio, e só pode adquiri-lo se os membros da nova união, os diferentes estados, se dispuserem a cedê-lo. E, no momento, parecem escassas as perspectivas nesse sentido. A instituição da Liga das Nações seria totalmente ininteligível se se ignorasse o fato de que houve uma tentativa corajosa, como raramente (talvez jamais em tal escala) se fez antes. Ela é uma tentativa de fundamentar a autoridade sobre um apelo a determinadas atitudes idealistas da mente (isto é, a influência coercitiva), que de outro modo se baseia na posse da força. Já vimos [[1]] que uma comunidade se mantém unida por duas coisas: a força coercitiva da violência e os vínculos emocionais (identificações é o nome técnico) entre seus membros. Se estiver ausente um dos fatores, é possível que a comunidade se mantenha ainda pelo outro fator.As idéias a que se faz o apelo só podem, naturalmente, ter importância se exprimirem afinidades importantes entre os membros, e pode-se perguntar quanta força essas idéias podem exercer. A história nos ensina que, em certa medida, elas foram eficazes. Por exemplo, a idéia do pan-helenismo, o sentido de ser superior aos bárbaros de além-fronteiras — idéia que foi expressa com tanto vigor no conselho anfictiônico, nos oráculos e nos jogos —, foi forte a ponto de mitigar os costumes guerreiros entre os gregos, embora, é claro, não suficientemente forte para evitar dissensões bélicas entre as diferentes partes da nação grega, ou mesmo para impedir uma cidade ou confederação de cidades de se aliar com o inimigo persa, a fim de obter vantagem contra algum rival. A identidade de sentimentos entre os cristãos, embora fosse poderosa, não conseguiu, à época do Renascimento, impedir os Estados Cristãos, tanto os grandes como os pequenos, de buscar o auxílio do sultão em suas guerras de uns contra os outros. E atualmente não existe idéia alguma que, espera-se, venha a exercer uma autoridade unificadora dessa espécie. Na realidade, é por demais evidente que os ideais nacionais, pelos quais as nações se regem nos dias de hoje, atuam em sentido oposto. Algumas pessoas tendem a profetizar que não será possível pôr um fim à guerra, enquanto a forma comunista de pensar não tenha encontrado aceitação universal. Mas esse objetivo, em todo caso, está muito remoto, atualmente, e talvez só pudesse ser alcançado após as mais terríveis guerras civis. Assim sendo, presentemente, parece estar condenada ao fracasso a tentativa de substituir a força real pela força das idéias. Estaremos fazendo um cálculo errado se desprezarmos o fato de que a lei, originalmente, era força bruta e que, mesmo hoje, não pode prescindir do apoio da violência.Passo agora, a acrescentar algumas observações aos seus comentários. O senhor expressa surpresa ante o fato de ser tão fácil inflamar nos homens o entusiasmo pela guerra, e insere a suspeita, ver em[[1]], de que neles exige em atividade alguma coisa — um instinto de ódio e de destruição — que coopera com os esforços dos mercadores da guerra. Também nisto apenas posso exprimir meu inteiro acordo. Acreditamos na existência de um instinto dessa natureza, e durante os últimos anos temo-nos ocupado realmente em estudar suas manifestações. Permita-me que me sirva dessa oportunidade para apresentar-lhe uma parte da teoria dos instintos que, depois de muitas tentativas hesitantes e muitas vacilações de opinião, foi formulada pelos que trabalham na área da psicanálise?De acordo com nossa hipótese, os instintos humanos são de apenas dois tipos: aqueles que tendem a preservar e a unir — que denominamos ‘eróticos’, exatamente no mesmo sentido em que Platão usa a palavra ‘Eros’ em seu Symposium, ou ‘sexuais’, com uma deliberada ampliação da concepção popular de ‘sexualidade’ —; e aqueles que tendem a destruir e matar, os quais agrupamos como instinto agressivo ou destrutivo. Como o senhor vê, isto não é senão uma formulação teórica da universalmente conhecida oposição entre amor e ódio, que talvez possa ter alguma relação básica com a polaridade entre atração e repulsão, que desempenha um papel na sua área de conhecimentos. Entretanto, não devemos ser demasiado apressados em introduzir juízos éticos de bem e de mal. Nenhum desses dois instintos é menos essencial do que o outro; os fenômenos da vida surgem da ação confluente ou mutuamente contrária de ambos. Ora, é como se um instinto de um tipo dificilmente pudesse operar isolado; está sempre acompanhado — ou, como dizemos, amalgamado — por determinada quantidade do outro lado, que modifica o seu objetivo, ou, em determinados casos, possibilita a consecução desse objetivo. Assim, por exemplo, o instinto de autopreservação certamente é de natureza erótica; não obstante, deve ter à sua disposição a agressividade, para atingir seu propósito. Dessa forma, também o instinto de amor, quando dirigido a um objeto, necessita de alguma contribuição do instinto de domínio, para que obtenha a posse desse objeto. A dificuldade de isolar as duas espécies de instinto em suas manifestações reais, é, na verdade, o que até agora nos impedia de reconhecê-los.Se o senhor quiser acompanhar-me um pouco mais, verá que as ações humanas estão sujeitas a uma outra complicação de natureza diferente. Muito raramente uma ação é obra de um impulso instintual único (que deve estar composto de Eros e destrutividade). A fim de tornar possível uma ação, há que haver, via de regra, uma combinação desses motivos compostos. Isto, há muito tempo, havia sido percebido por um especialista na sua matéria, o professor G. C. Lichtenberg, que ensinava física em Göttingen, durante o nosso classicismo, embora, talvez, ele fosse ainda mais notável como psicólogo do que como físico.Ele inventou uma ‘bússola de motivos’, pois escreveu: ‘Os motivos que nos levam a fazer algo poderiam ser dispostos à maneira da rosa-dos-ventos e receber nomes de uma forma parecida: por exemplo, "pão — pão — fama" ou "fama — fama — pão".’ De forma que, quando os seres humanos são incitados à guerra, podem ter toda uma gama de motivos para se deixarem levar — uns nobres, outros vis, alguns francamente declarados, outros jamais mencionados. Não há por que enumerá-los todos. Entre eles está certamente o desejo da agressão e destruição: as incontáveis crueldades que encontramos na história e em nossa vida de todos os dias atestam a sua existência e a sua força. A satisfação desses impulsos destrutivos naturalmente é facilitada por sua mistura com outros motivos de natureza erótica e idealista. Quando lemos sobre as atrocidades do passado, amiúde é como se os motivos idealistas servissem apenas de excusa para os desejos destrutivos; e, às vezes — por exemplo, no caso das crueldades da Inquisição — é como se os motivos idealistas tivessem assomado a um primeiro plano na consciência, enquanto os destrutivos lhes emprestassem um reforço inconsciente. Ambos podem ser verdadeiros.Receio que eu possa estar abusando do seu interesse, que, afinal, se volta para a prevenção da guerra e não para nossas teorias. Gostaria, não obstante, de deter-me um pouco mais em nosso instinto destrutivo, cuja popularidade não é de modo algum igual à sua importância. Como conseqüência de um pouco de especulação, pudemos supor que esse instinto está em atividade em toda criatura viva e procura levá-la ao aniquilamento, reduzir a vida à condição original de matéria inanimada. Portanto, merece, com toda seriedade, ser denominado instinto de morte, ao passo que os instintos eróticos representam o esforço de viver.

O instinto de morte torna-se instinto destrutivo quando, com o auxílio de órgãos especiais, é dirigido para fora, para objetos. O organismo preserva sua própria vida, por assim dizer, destruindo uma vida alheia. Uma parte do instinto de morte, contudo, continua atuante dentro do organismo, e temos procurado atribuir numerosos fenômenos normais e patológicos a essa internalização do instinto de destruição. Foi-nos até mesmo imputada a culpa pela heresia de atribuir a origem da consciência a esse desvio da agressividade para dentro. O senhor perceberá que não é absolutamente irrelevante se esse processo vai longe demais: é positivamente insano. Por outro lado, se essas forças se voltam para a destruição no mundo externo, o organismo se aliviará e o efeito deve ser benéfico.Isto serviria de justificação biológica para todos os impulsos condenáveis e perigosos contra os quais lutamos. Deve-se admitir que eles se situam mais perto da Natureza do que a nossa resistência, para a qual também é necessário encontrar uma explicação. Talvez ao senhor possa parecer serem nossas teorias uma espécie de mitologia e, no presente caso, mitologia nada agradável. Todas as ciências, porém, não chegam, afinal, a uma espécie de mitologia como esta? Não se pode dizer o mesmo, atualmente, a respeito da sua física?Para nosso propósito imediato, portanto, isto é tudo o que resulta daquilo que ficou dito: de nada vale tentar eliminar as inclinações agressivas dos homens. Segundo se nos conta, em determinadas regiões privilegiadas da Terra, onde a natureza provê em abundância tudo o que é necessário ao homem, existem povos cuja vida transcorre em meio à tranqüilidade, povos que não conhecem nem a coerção nem a agressão. Dificilmente posso acreditar nisso, e me agradaria saber mais a respeito de coisas tão afortunadas. Também os bolchevistas esperam ser capazes de fazer a agressividade humana desaparecer mediante a garantia de satisfação de todas as necessidades materiais e o estabelecimento da igualdade, em outros aspectos, entre todos os membros da comunidade. Isto, na minha opinião, é uma ilusão.Eles próprios, hoje em dia, estão armados da maneira mais cautelosa, e o método não menos importante que empregam para manter juntos os seus adeptos é o ódio contra qualquer pessoa além das suas fronteiras. Em todo caso, como o senhor mesmo observou, não há maneira de eliminar totalmente os impulsos agressivos do homem; pode-se tentar desviá-los num grau tal que não necessitem encontrar expressão na guerra.Nossa teoria mitológica dos instintos facilita-nos encontrar a fórmula para métodos indiretos de combater a guerra. Se o desejo de aderir à guerra é um efeito do instinto destrutivo, a recomendação mais evidente será contrapor-lhe o seu antagonista, Eros. Tudo o que favorece o estreitamento dos vínculos emocionais entre os homens deve atuar contra a guerra. Esses vínculos podem ser de dois tipos. Em primeiro lugar, podem ser relações semelhantes àquelas relativas a um objeto amado, embora não tenham uma finalidade sexual. A psicanálise não tem motivo porque se envergonhar se nesse ponto fala de amor, pois a própria religião emprega as mesmas palavras: ‘Ama a teu próximo como a ti mesmo.’ Isto, todavia, é mais facilmente dito do que praticado. O segundo vínculo emocional é o que utiliza a identificação. Tudo o que leva os homens a compartilhar de interesses importantes produz essa comunhão de sentimento, essas identificações. E a estrutura da sociedade humana se baseia nelas, em grande escala.Uma queixa que o senhor formulou acerca do abuso de autoridade, ver em [[1]] leva-me a uma outra sugestão para o combate indireto à propensão à guerra. Um exemplo da desigualdade inata e irremovível dos homens é sua tendência a se classificarem em dois tipos, o dos líderes e o dos seguidores. Esses últimos constituem a vasta maioria; têm necessidade de uma autoridade que tome decisões por eles e à qual, na sua maioria devotam uma submissão ilimitada. Isto sugere que se deva dar mais atenção, do que até hoje se tem dado, à educação da camada superior dos homens dotados de mentalidade independente, não passível de intimidação e desejosa de manter-se fiel à verdade, cuja preocupação seja a de dirigir as massas dependentes. É desnecessário dizer que as usurpações cometidas pelo poder executivo do Estado e a proibição estabelecida pela Igreja contra a liberdade de pensamento não são nada favoráveis à formação de uma classe desse tipo. A situação ideal, naturalmente, seria a comunidade humana que tivesse subordinado sua vida instintual ao domínio da razão. Nada mais poderia unir os homens de forma tão completa e firme, ainda que entre eles não houvesse vínculos emocionais. No entanto, com toda a probabilidade isto é uma expectativa utópica. Não há dúvida de que os outros métodos indiretos de evitar a guerra são mais exeqüíveis, embora não prometam êxito imediato. Vale lembrar aquela imagem inquietante do moinho que mói tão devagar, que as pessoas podem morrer de fome antes de ele poder fornecer sua farinha.O resultado, como o senhor vê, não é muito frutífero quando um teórico desinteressado é chamado a opinar sobre um problema prático urgente. É melhor a pessoa, em qualquer caso especial, dedicar-se a enfrentar o perigo com todos os meios à mão. Eu gostaria, porém, de discutir mais uma questão que o senhor não menciona em sua carta, a qual me interessa em especial. Por que o senhor, eu e tantas outras pessoas nos revoltamos tão violentamente contra a guerra? Por que não a aceitamos como mais uma das muitas calamidades da vida? Afinal, parece ser coisa muito natural, parece ter uma base biológica e ser dificilmente evitável na prática. Não há motivo para se surpreender com o fato de eu levantar essa questão. Para o propósito de uma investigação como esta, poder-se-ia, talvez, permitir-se usar uma máscara de suposto alheamento. A resposta à minha pergunta será a de que reagimos à guerra dessa maneira, porque toda pessoa tem o direito à sua própria vida, porque a guerra põe um término a vidas plenas de esperanças, porque conduz os homens individualmente a situações humilhantes, porque os compele, contra a sua vontade, a matar outros homens e porque destrói objetos materiais preciosos, produzidos pelo trabalho da humanidade. Outras razões mais poderiam ser apresentadas, como a de que, na sua forma atual, a guerra já não é mais uma oportunidade de atingir os velhos ideais de heroísmo, e a de que, devido ao aperfeiçoamento dos instrumentos de destruição, uma guerra futura poderia envolver o extermínio de um dos antagonistas ou, quem sabe, de ambos. Tudo isso é verdadeiro, e tão incontestavelmente verdadeiro, que não se pode senão sentir perplexidade ante o fato de a guerra ainda não ter sido unanimemente repudiada. Sem dúvida, é possível o debate em torno de alguns desses pontos. Pode-se indagar se uma comunidade não deveria ter o direito de dispor da vida dos indivíduos; nem toda guerra é passível de condenação em igual medida; de vez que existem países e nações que estão preparados para a destruição impiedosa de outros, esses outros devem ser armados para a guerra. Mas não me deterei em nenhum desses aspectos; não constituem aquilo que o senhor deseja examinar comigo, e tenho em mente algo diverso. Penso que a principal razão por que nos rebelamos contra a guerra é que não podemos fazer outra coisa. Somos pacifistas porque somos obrigados a sê-lo, por motivos orgânicos, básicos. E sendo assim, temos dificuldade em encontrar argumentos que justifiquem nossa atitude.

Sem dúvida, isto exige alguma explicação. Creio que se trata do seguinte. Durante períodos de tempo incalculáveis, a humanidade tem passado por um processo de evolução cultural (Sei que alguns preferem empregar o termo ‘civilização’). É a esse processo que devemos o melhor daquilo em que nos tornamos, bem como uma boa parte daquilo de que padecemos. Embora suas causas e seus começos sejam obscuros e incerto o seu resultado, algumas de suas características são de fácil percepção. Talvez esse processo esteja levando à extinção a raça humana, pois em mais de um sentido ele prejudica a função sexual; povos incultos e camadas atrasadas da população já se multiplicam mais rapidamente do que as camadas superiormente instruídas. Talvez se possa comparar o processo à domesticação de determinadas espécies animais, e ele se acompanha, indubitavelmente, de modificações físicas; mas ainda não nos familiarizamos com a idéia de que a evolução da civilização é um processo orgânico dessa ordem. As modificações psíquicas que acompanham o processo de civilização são notórias e inequívocas. Consistem num progressivo deslocamento dos fins instintuais e numa limitação imposta aos impulsos instintuais. Sensações que para os nossos ancestrais eram agradáveis, tornaram-se indiferentes ou até mesmo intoleráveis para nós; há motivos orgânicos para as modificações em nossos ideais éticos e estéticos. Dentre as características psicológicas da civilização, duas aparecem como as mais importantes: o fortalecimento do intelecto, que está começando a governar a vida instintual, e a internalização dos impulsos agressivos com todas as suas conseqüentes vantagens e perigos.Ora, a guerra se constitui na mais óbvia oposição à atitude psíquica que nos foi incutida pelo processo de civilização, e por esse motivo não podemos evitar de nos rebelar contra ela; simplesmente não podemos mais nos conformar com ela. Isto não é apenas um repúdio intelectual e emocional; nós, os pacifistas, temos uma intolerância constitucional à guerra, digamos, uma idiossincrasia exacerbada no mais alto grau. Realmente, parece que o rebaixamento dos padrões estéticos na guerra desempenha um papel dificilmente menor em nossa revolta do que as suas crueldades.E quanto tempo teremos de esperar até que o restante da humanidade também se torne pacifista? Não há como dizê-lo. Mas pode não ser utópico esperar que esses dois fatores, a atitude cultural e o justificado medo das conseqüências de uma guerra futura, venham a resultar, dentro de um tempo previsível, em que se ponha um término à ameaça de guerra. Por quais caminhos ou por que atalhos isto se realizará, não podemos adivinhar. Mas uma coisa podemos dizer: tudo o que estimula o crescimento da civilização trabalha simultaneamente contra a guerra.Espero que o senhor me perdoe se o que eu disse o desapontou, e com a expressão de toda estima, subscrevo-me, Cordialmente, Sigm. Freud

Um breve parecer, Congonhas-MG-Brasil, 13 de abril de 2009.

O mais interessante a respeito da posição questionadora de Einstein, mesmo sendo este um estudioso debruçado às ciências naturais – falo da oposição entres as ciências contemporâneas a este: ciências da natureza/ciências da alma -, poder-se-ia verificar na forma como o primeiro gênio expõe o problema e suas referentes dúvidas. Para os mais interessados no criador da “Teoria da relatividade” e felizes leitores de alguma de suas biografias, basta relembrarem no apreço de Einstein a intuição, ou seja, o que reforço é que, de modo intuitivo, ele resolve parte de sua problemática intelectiva direcionada ao segundo Gênio; Freud. Einstein se aproxima do que Freud postula em 1920: as pulsões de morte. E consegue quase que responder suas próprias indagações acerca da natureza humana. Há de fato uma tendência inconsciente voltada à destruição e a morte, porém não pensem que a conceituação de Freud é tão intuitiva, pois seu raciocínio parte de estudos minuciosos e bem fundamentados que levaram em conta experimentos laboratoriais da biologia, verifique em: “Além do princípio do prazer”. Entretanto, notem um ponto ainda mais interessante, a saber, na resposta de Freud que, transgride a formulação dualística do primeiro Gênio: direito/poder para direito/violência e estabelece a partir daí um raciocínio ainda mais interessante. Logo, o que posso humildemente acrescentar é que o direito seria uma violência coletiva a fim de conter a violência individual. Uma opressão contra a tendência natural destrutiva de cada um de nós, mas que nem por isso mutila-nos menos. O Estado regula nosso próprio ódio legitimando e a outorgar uma opressão a qual somos complacentes. Talvez por isso também sejamos comprazentes às Guerras, pois seriam estas uma maneira de projetarmos em uma situação histórica, marcada pela luta sangrenta pelo poder, nossa agressividade reprimida.

Contudo, percebam que o objetivo de ambos consistia em trocar idéias a respeito de uma lei maior que talvez retivesse o poder de arbitrar lides com interesses divergentes. Embora saibamos que para tal supremacia se consolidar estados menores deveriam conceder poderes e obediência. Uma tentativa saiu dos subúrbios de Paris, portanto os vencedores, detentores do poder, após vencerem a Primeira Guerra Mundial tentaram um acordo de paz, em 1919. O Tratado de Versalhes fora oficializado, porém sua sede passou a ser na Suíça, mas fracassou, porém a pergunta é: por quê?

Freud em 1915 já havia tratado sobre a fruição sado-masoquista constituinte do psiquismo humano e por isso a resposta da pergunta anterior poderia ser simples, resguardada apenas a termos psicológicos, logo: o narcisismo Nazista e toda sua hetero- agressividade. Apenas hetero? Bem, prefiro não adentrar-me nesta discussão neste escrito, pois necessitaria de muito da psicanálise para responder tal pergunta, visto que, meu objetivo se resguarda às correspondências entre os dois, já citados, gênios da ciência.

Bem, já sabemos que houvera então uma Segunda Guerra entre nações, mas uma nova tentativa de paz se estabeleceu juntamente a criação da ONU. Ora, mas até quando? Bem, ao menos obtivemos a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. Uma pena que um de nossos gênios não pudera contemplar seu estabelicmento, ao menos também não teve a mesma tristeza de Einstein ao ter de conviver com o horror que terminara em 1945.

Será mesmo? Bem, houveram guerras civis posteriores, a Guerra Fria, houveram outros modos das pulsões de morte/agressão serem representadas na realidade. Em linhas gerais, sentimos o bem e o mal dentro de nós, mas o mais estranho é que ambos estão comumente amalgamados com nossa satisfação sexual. Estranho não é mesmo? Que prazer pode haver na dor? Porque precisamos de contemplar massacres, repetí-los em nossos discursos, rememorá-los, contar sobre nossos pesadelos, nossas reminiscências..? Será mesmo que nossa noção de civilização não é uma farça, afinal de contas, o que parecem as lutas de Pride? Penso que os gladiadores do passado, da política de pão e circo, ainda vivem por ai procurando saídas lícitas.

Michel Foucault nos assevera que a política é a guerra feita por outros meios e eu ouso a acrescentar que nós somos a essência da guerra. Citarei um de nossos amados cantores brasileiros:

“Uma guerra sempre avança a tecnologia, mesmo sendo guerra santa, quente, morna ou fria. Pra quê exportar comida, se as armas dão mais lucro na exportação”? (Renato Russo)

Allan Gonçalves (Psicólogo Psicanalista)